_{Por Timo Berger.}

Conocí a Érica Zíngano en el poesiefestival de Berlín en el año 2012. Por esa época Érica, que nació en el 1980 en Fortaleza, vivía en Lisboa. Aún no tenía publicado (y se me hace que tampoco hasta la fecha) un poemario tradicional, pero sus poemas ya fueron incluidos en revistas y antologías, aparecieron en libros artesanales o libros-objetos. Había colaborado con artistas plásticos y videoartistas.

Si bien Érica estudió Literatura Portuguesa en São Paulo y Lisboa, su abordaje del poema o del texto poético siempre viene de una perspectiva lateral. Se puede decir que Érica piensa el poema como si fuera una obra de arte conceptual. Construye las condiciones de su recepción instalando a su vez una idea de la obra que exede el soporte material: que en su caso son versos, a veces versos acompañados de dibujos retomando cierto trazos del Art brut, versos a veces performados tanto en escenarios como en intervenciones urbanas.
Desde 2014 vive y trabaja en Berlín; su primera publicación bilingüe (portugués/alemán) es una plaqueta con versos y dibujos en homenaje la poeta y dibujante Unica Zürn. Ese acercamiento a la obra de una poeta medio olvidada, cercana al surrealismo francés y autora de 123 poemas-anagrama, es muestra de que desarrolla su obra en diálogo con otros poetas muchas veces no del centro del campo literario, sino de los márgenes. Desde su llegada, Érica ha incursionado con frecuencia en la escena under de poesía en Berlín. Hace dos años, pude presenciar un recital que compartía con Rafael Mantovani, Luísa Nóbrega (los dos también de Brasil) y Cristian Forte (de Argentina). Los cuatro leían sin moderación y sin pausa entre los textos en portugués y castellano; pero no solo leían sus propios textos, también habían intercambiado textos entre ellos y mezclaban traducciones de sus textos al francés y al inglés. Fue un verdadero concierto de versos en que se diluían los límites entre textos, y la relación entre autor y recitador se volvió borrosa.

p.s. não deixe a peteca cair

eu não sei
se ainda posso dizer
que tive a sorte de nascer
numa terra
onde os passarinhos
cantam
a troco de nada
cantam
simplesmente cantam
de manhã
de tarde
de noite
eu não sei
se ainda posso dizer
que tive a sorte de nascer
porque tenho uma irmã
chamada consuelo
consuelo é mais nova
do que eu
é mais bonita
do que eu
mas é muito mais
digamos
maquiavélica
do que eu
consuelo nunca gostou
do cantarolado
dos passarinhos
e passou sua infância
inteira
tentando matá-los
de manhã
de tarde
de noite
consuelo com seu
pañuelo
era infalível
mi hermanita fea
muy fea, muy mala
la pobrecita...
consuelo com seu
plumero peludo
e suas penas
de plástico coloridas
FOTOCÓPIAS RELES
FOTOCÓPIAS – prendam-na!
prendam-na, por favor!
te odio consuelo
como podes fazer isso?
carregas pedras
de gelo
no lugar do coração?
talvez
consuelo gostasse mais
do silêncio
do que eu
ou talvez
tenha aprendido
mais rápido
mais cedo e
mais rápido
para consolo meu
a guardar
o segredo
das sereias

dois e dois são quatro com mais quatro vinte e um

a minha melhor amiga pratica
a endogamia (entre os seus)

assim como eu também pratico
a endogamia (entre os meus)

ela só é a minha melhor amiga porque
eu também sou a sua melhor amiga

no encontro mágico da nossa dupla
endogamia (e muitos coelhinhos)

somos amigas melhores amigas amigas
praticamente há sessenta e um anos

depois de acabado o jantar
antes da sobremesa chegar

entre a aterrissagem das colheres
e a partida sistemática dos pratos

eu tenho paciência com ela
assim como ela também tem

paciência comigo somos amigas
melhores amigas amigas pratica-

mente há sessenta e um anos
antes da sobremesa chegar

depois de acabado o jantar
nesse pequeno pequeno espaço

de tempo (e muitos coelhinhos)
somos amigas melhores amigas

amigas todos os dias no encontro
mágico da nossa dupla endogamia

como os seus antecessores
praticaram ela também pratica

como os meus antecessores
praticaram eu também pratico

até os médicos advertiram
ao contrário do que se pensa

kani-kama delícias do mar
nhami nhami só que não

ela vomita (e muitos coelhinhos)
mais de dez é verdade

menos de dez é verdade
ela vomita (e muitos coelhinhos)

praticamente há sessenta e um anos
ela vomita (e muitos coelhinhos)

como ela vomita (e muitos coelhinhos)
eu recolho e engulo com carinho

com a ajuda de guardanapos limpos
como ela vomita (e muitos coelhinhos)

tudo é tão rápido e higiênico
minha coleção (e muitos coelhinhos)

como ela vomita (e muitos coelhinhos)
eu engulo em seguida

engulo um de cada vez
depois de acabado o jantar

antes da sobremesa chegar

de longe parece sempre mais bonito

depois de nove anos circulando
parece que chegam hoje em plutão
não são pessoas exatamente são
apenas muitos modos de ver
as salas não mudam de lugar
já as cadeiras
sim, as cadeiras
depois que mecanismos simplificados
foram inventados dizem maravilhas
e empurram
e empurram
sem deixar traços pelo chão
não sabem o que é isso
nem poderiam saber
não sei se ficarão cansados
não sei se estarão apenas
esperando ou se apreensivos
poderemos inquirir
como mais uma tentativa
de consolo
como se ainda existisse
espaço
para outro final-feliz
estarão mesmo preparados?
ainda hoje disseram
mas não se sabe ao certo
quanto de ração animal
seria afinal necessária
para começar uma rebelião